domingo, 25 de novembro de 2007

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:-)


The


Awarded by
Leonor
to João

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

As touradas

Pois é… Depois de Cães Perigosos só podia continuar com algo tão controverso, e que move tantas paixões, como as Touradas.

Mas o Fenómeno Tourada tem de ser abordado com cautela. Mais que não seja, pelo número de pessoas envolvidas que, comparativamente ao tema Cães Perigosos, é substancialmente superior.

Este post foi escrito para as pessoas que gostam e defendem com paixão as touradas. Mais importante ainda, este post dirige-se a todos aqueles que acusam quem quer acabar com as touradas, como eu, de estar a ser hipócrita, inculto, ignorante e outros nomes simpáticos que circulam pela net e jornais.

Este post não tem imagens, porque não me parece correcto vender a minha filosofia à custa de fotografias de Touros ensanguentados. Mas quem tiver um desejo mórbido de ilustrar estas linhas poderá clicar aqui (e em outros sites semelhantes) para satisfazer a sua curiosidade.


Pois devo confessar que não gosto de Touradas e consigo resumir toda a minha argumentação a uma única palavra: entretenimento.

Porque é isso mesmo que as Touradas são, entretenimento. E só por este motivo me parece que todos os argumentos pró-tourada são abalados profundamente; porque todos esses argumentos são apresentados em defesa de algo que não é essencial para a nossa sobrevivência, que é supérfluo e que é um passatempo.

Mas permitam-me que tenha a audácia de expandir este tema e que tente desmontar os tradicionais argumentos pró-tourada um a um. Estes argumentos estão listados em baixo (e desde já vos peço que m’o(s) recordem, se me esquecer de algum):

  • As touradas são uma forma de vida para milhares de pessoas, que se veriam desprovidas de sustento se esta prática terminar.

  • As touradas são a única razão porque o Touro Bravo ainda existe. Se as touradas acabarem, esta raça de animal também acabará.

  • A tourada é um fenómeno profundamente enraizado na cultura Ibérica. Acabar com as touradas é eliminar um pedaço da nossa cultura.

  • E, finalmente, dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos, borregos, cordeiros e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena. Ou seja, na mente dos que advocam este argumento só devíamos acabar com as touradas depois de se acabar com o sofrimento destes outros animais, já que o destes últimos é prioritário.


Antes de começar a desmontar os argumentos anteriores, um a um, deixem-me repetir o meu único argumento contra as touradas:
  • As touradas são uma forma de entretenimento à base de crueldade para com animais, nomeadamente Touros e Cavalos. Sim, não esqueçamos as pauladas que os Cavalos levam dentro e fora da arena, porque a nobre arte equestre de lida de um Touro não se consegue sem umas valentes esporas cravadas nos flancos.


Pois bem, vamos ao primeiro argumento, i.e. as touradas são uma forma de vida para milhares de pessoas, que se veriam desprovidas de sustento se estas acabarem.

Possivelmente não estarão 100% familiarizados com o meio mas deixem-me dizer-vos que as pessoas envolvidas no meio tauromáquico são, na sua maioria, empresários. E bem sucedidos. E, como tal, têm várias fontes de rendimento, sendo as touradas apenas uma delas. Recordemos que as touradas são um espectáculo de Verão e certamente que os toureiros, ganadeiros e empresários associados terão outras formas de sustento durante o Inverno. Duvido seriamente que passem os meses frios em casa, à lareira, a gozarem os rendimentos recolhidos nas touradas de Verão.

Do que tenho observado (e vivi a minha infância no Cartaxo, em pleno Ribatejo, de 1972 a 1989), as pessoas que têm Touros, Cavalos e que gostam de ir a touradas têm, também, campos cultivados com cereais, gado que criam e vendem (para alimentação), Cavalos que levam a exposições e a provas de competição, e variadíssimas outras actividades de natureza campestre e agrícola. Os rendimentos auferidos como consequência directa das touradas são, parece-me, minoritários nos rendimentos globais deste grupo. Mas aceito que possa não estar 100% correcto neste pressuposto. E é por esse motivo que darei continuidade a este raciocínio...

...Porque entendo que, por si só, este argumento não é suficiente para justificar a continuidade de uma actividade. Deixem-me recordar-vos que a Pesca é, actualmente, uma prática economicamente falida, que sobrevive à conta de subsídios governamentais. Se calhar não sabiam, mas, anualmente, e globalmente, os custos da Pesca (combustíveis, vencimentos, equipamentos, reparações, seguros, etc., etc.) são superiores às receitas. Mas variados Governos, incluindo o Português, têm tentado colmatar a falta de peixes no mar (que se deve essencialmente à sobre-pesca a que estiveram sujeitos durante décadas de exploração não sustentável) de formas criativas, com as quais concordo genericamente. Porquê? Porque precisamos da pesca e precisamos que nos metam peixe na boca. Porque somos quase 7.000 milhões de bocas e precisamos de comer várias vezes por dia (se tivermos sorte).

Mas dizia eu que o Governo Português (e praticamente todos os Governos de Países em que se pesca a sério) subsidia e suporta a pesca de várias formas, algumas das quais bastante interessantes. Estou a lembrar-me do programa FORPESCAS, cujo objectivo é direccionar os filhos de pescadores para outras áreas do domínio marítimo que não envolvem a colheita de peixes do mar. É natural que os filhos de pescadores sigam as pisadas dos pais. Foi assim durante séculos. Mas, hoje em dia, isso já não pode acontecer. Porque os pais de hoje já praticamente não conseguem pagar as suas contas com os peixes que recolhem do mar. E certamente que os filhos de amanhã também não o conseguirão. E é por isso que têm de ser instruídos em artes como a aquacultura, manutenção de espécies em aquários públicos, biologia marinha, oceanografia, hidrografia, etc. Estas pessoas têm uma forte ligação ao mar e parece-me uma óptima ideia instruí-los em profissões de natureza marítima e com zero impacto nos recursos vivos marinhos. Há que rentabilizar a pesca e os recursos humanos que a ela estão associados.

Se isto se fez com a pesca, porque não fazê-lo com as touradas?

Se o Governo anunciasse, hoje, que as touradas seriam extintas daqui a cinco (ou dez) anos, será assim tão inconcebível assumir que as pessoas actualmente envolvidas no meio tauromáquico conseguiriam assegurar meios de subsistência alternativos num prazo de cinco ou dez anos?



Vamos ao segundo argumento, i.e., as touradas são a única razão porque o Touro Bravo ainda existe. Se as touradas acabarem, esta raça de animal também acabará.

Acredito sinceramente que nada poderia estar mais longe da verdade.

O Touro Bravo é um animal imponente, soberbo e impressionante. Não acredito que os actuais ganadeiros, que se dedicam à criação desta raça de animais nobres, deixem as suas manadas acabarem.

Então e as exposições? Os concursos? As feiras? Os prémios de Melhor Touro do Ano? Os negócios entre criadores, que estão sempre a disputar e a negociar o melhor macho e a melhor fêmea? E porque não subsídios governamentais (na forma de incentivos fiscais, descontos no gasóleo, mais deduções no I.R.C., etc., etc.) para os criadores desta raça?

E, já que estamos a falar de raças em perigo, porque não a mesma estratégia para os famosos Burros , que estão em risco de desaparecer? Refiro-me aos quadrúpedes, claro. Porque, os bípedes, estão a proliferar de uma forma descontrolada...

O Governo gasta milhões de Euros em subsídios para a Agricultura, Pescas e outras actividades, e com toda a legitimidade, deve-se acrescentar. Porque não canalizar parte desses valores para os criadores destas raças?

Como cidadão pagador de impostos declaro já aqui, publicamente, que não me importo que me debitem uma pequena fatia do ordenado para subsidiar os senhores que correm risco de morrer à fome se lhes tirarem a oportunidade de espetar ferros em Touros. Mas, ah, esperem... já me tiram essa fatia de ordenado, não tiram? E a ela chamamos impostos, correcto? Então só me resta desejar que esses impostos sejam aplicados de uma forma sensata.


Vamos ao terceiro argumento, i.e. a tourada é um fenómeno profundamente enraizado na cultura Ibérica.

É verdade que a tourada é um fenómeno culturalmente significativo em Portugal, Espanha e outros países latinos.

Mas sabem como começaram as touradas em Portugal e Espanha? Durante a ocupação Romana, há 2.000 e tal anos, os nobres passavam algum do seu tempo de ócio em coliseus improvisados, nos quais pessoas sem instrução, escravos, cristãos (quando deixaram de ser um fenómeno marginal e passaram a ser um incómodo), prisioneiros de guerra, pessoas com deformidades, opositores políticos e toda a espécie de indesejáveis eram degolados, devorados e desmembrados por animais selvagens e / ou outros seres humanos munidos de elmos, redes, mocas, lanças e demais parafernália afiada e pesada.

Esse espectáculo era aceite pela sociedade, que aplaudia entusiasticamente quando, por exemplo, um urso arrancava a cabeça de uma criança com feições diferentes (que era o caso dos espécimes recolhidos em expedições ao Extremo Oriente, para demonstrar aos conterrâneos as bizarrias que abundavam em terras distantes).

Esse espectáculo foi aceite até algumas vozes começarem a fazer-se ouvir e a resmungar contra estas práticas. Certamente que essas vozes foram apelidadas de chatas e incómodas na altura. Porventura algumas até terão sido caladas com lâminas aguçadas, manejadas por mãos que tinham muito a perder se o comércio de gladiadores e escravos fosse proibido.

Mas, a dada altura, alguém, numa posição de governo, decidiu que estava na hora de parar aquele espectáculo sangrento.

E parou.

Ou não?

Esse espectáculo incluía, na Península Ibérica, actuações fortemente aplaudidas por parte de Touros Bravos, animais potentes, abundantes nestas paragens, e que traziam muita animação à festa. Dir-se-ia, por isso, que esta paragem do fenómeno foi aceite em todo o lado menos na Península Ibérica. É quase como se tivéssemos dito Agora que os chatos dos Romanos se foram embora, podemos continuar a fazer estas macaquices com Touros sem ninguém nos chatear.

2.000 anos depois, o espectáculo continua e dir-se-ia que ninguém tem coragem para o travar.



E, por fim, o quarto argumento, i.e. dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena.

Bom, como biólogo marinho e, mais importante ainda, como ser humano, fico perfeitamente chocado com as condições atrozes em que muitos animais são criados.

Mas não esqueçamos um ponto crítico nesta análise:

Estamos a falar de comida. Sim, há animais que são criados em condições deploráveis e contra as quais temos Legislação abundante que, infelizmente, nem sempre é aplicada. Mas esses animais são nossas presas. E nós somos os seus predadores. E não esqueçamos que vivemos num Planeta que está a chegar aos sete mil milhões de predadores. E que, há umas três décadas, eram 4.000 milhões. E há 150 anos nem a 1.000 milhões chegávamos. (se tiverem curiosidade por estas estatísticas recomendo uma visita a www.ibiblio.org/lunarbin/worldpop)

Ou seja, se queremos sobreviver, temos mesmo de produzir comida em massa, por mais difícil que isso nos seja de engolir (se me permitirem a redundância da expressão).

Temos de juntar animais em armazéns, temos de enchê-los de hormonas (para que cresçam depressa) e temos de garantir que esta comida se multiplica e vem parar aos nossos carrinhos de compras, sob pena de passarmos os dias com fome.

Ou julgam que há espaço neste planeta para termos animais em regime free range?

Ou julgam que toda a população do planeta tem carteira para comprar comida se esta fosse produzida em regime orgânico e 100% natural?

É que é muito fácil apregoar Salvem os direitos dos animais quando se tem um emprego das 9 às 6, quando se tem tempo para estar na Internet a dar opiniões sobre o que desconhecidos escreveram em Blogs, quando se ganha 1.000+ euros por mês e se vai às compras a charcutarias com Delicatessen caras.

Mas digam isso às pessoas que trabalham 14 horas por dia, que ganham 500 euros por mês, que têm várias bocas para alimentar em casa e que nunca viram um Blog na vida. Digam-lhes para só comprarem verduras que cresceram sem químicos. Digam-lhes para comprarem ovos de galinhas que nunca viram uma capoeira. Digam-lhes para comprarem carne de vacas que se rebolam na erva fresca e húmida do orvalho matinal.


Newsflash para quem ainda não percebeu a verdadeira crise que assola os nossos tempos: se o planeta inteiro vivesse como nós (i.e. Ocidentalizados) vivemos, precisaríamos de três planetas para sustentar o nosso estilo de vida. Isto é um facto mais que provado e posso disponibilizar-vos muita literatura científica sobre o tema.

Só que não temos três planetas.

Só temos um.

E, neste único planeta que temos, não há espaço para fazermos crescer comida para 7.000 milhões de almas (que, dentro de poucos anos, serão dez mil milhões) em regime orgânico e 100% natural.

Não há.

E é preciso que metam isso na cabeça.

O nosso planeta atravessa a maior crise que jamais atravessou. Estamos a lutar pela nossa sobrevivência e as pessoas nem se apercebem disso.

Mas já me estou a dispersar... Num outro post tentarei educar-vos acerca destes aspectos... Até lá, podem ir estudando a matéria em An Inconvenient Truth. Ignorem o facto de que é um filme em torno de um Americano com aspirações políticas e concentrem-se no ponto verdadeiramente fulcral do website: o aquecimento global e o fim da vida humana no planeta Terra.

Voltemos aos Touros, à nossa necessidade de comermos diariamente e à não-necessidade de torturarmos animais para gáudio de uma plateia.

Reparem: devíamos tratar os animais de que nos alimentamos de uma forma eticamente correcta e digna? Obviamente que sim. E tratamos os animais de uma forma eticamente correcta e digna? Tristemente, não.

Mas não vamos deixar que esse facto triste sirva de máscara para as touradas, que são entretenimento, ok? Não vamos misturar os conceitos sobrevivência da nossa espécie com entretenimento, ok?

É claro que podemos despender tempo no diálogo sobre a legitimidade que temos, como espécie, em sacrificar outras para a sobrevivência da nossa. Mas isso é um diálogo longo e ainda mais controverso, que terá de ficar para outro post.

E não esqueçamos estes dois pontos charneira:
  • Até a morte dos animais dos quais nos alimentamos é feita de uma forma rápida e, supostamente, indolor. Já sabemos que os matadouros nem sempre obedecem a todas as regras de higiene e também já sabemos que o transporte de animais nem sempre é feito com as condições exigidas pela Lei. Mas, pelo menos, a morte do animal é rápida.
  • Nas touradas a morte é lenta. Aliás, que palavra se utiliza regularmente quando a morte é atrasada em prol da oportunidade de infligir dor? Eu julgo que a palavra é tortura, certo? Que outra palavra se dá ao fenómeno segundo o qual causamos dor a um animal (não esqueçamos que nós, seres humanos, também o somos) sabendo perfeitamente que o mesmo está condenado à morte? E, depois, vêm dizer-me que os Touros Bravos são criados com condições extraordinárias?? Para quê?? Para serem torturados antes de morrerem??


É precisamente por isto que o meu Blog se chama Sem areia nos olhos. Então ninguém se apercebe de quão pérfido é o conceito de criar para torturar?


Dizem-me que as touradas não devem acabar porque os Touros também acabariam. E depois? É melhor criar Touros para os podermos torturar?

Qual é, exactamente, a diferença entre isso e criar (ou capturar) Macacos para, depois, lhes comermos o cérebro enquanto ainda estão vivos? Toda a gente se arrepiou quando leu isto, certo? Pois, mas é o que se faz no Extremo Oriente. Mas não é só no Extremo Oriente que se criam (ou capturam) animais para os torturarmos; em Barrancos faz-se o mesmo. No Ribatejo também. E em muitos outros sítios do nosso País. E de Espanha. E da Argentina. E de outros.

E é legal.

É ilegal comprar uma cadeirinha de bebé que não seja certificada.

Mas é legal torturar um Touro Bravo durante um espectáculo.

E é legal cobrar bilhetes para as pessoas irem ver esse espectáculo.

É ilegal sair à rua com a Anouk sem açaime.

Mas é legal espetar ferros no lombo de um Touro Bravo e ser pago para isso.

Mas serei só eu que consegue ver quão retorcido tem de ser o raciocínio que defende uma tourada??

E permitam-me que ainda agite mais o caldeirão com este conceito:

Sabiam que a maior parte dos psicopatas torturaram animais quando eram crianças?

Tirar prazer da tortura de um animal é um sintoma clínico de algum tipo de perturbação. Será que Portugal é, então, colectivamente uma Nação de pessoas perturbadas? A Lei que permite as touradas assim o sugere, o que não deixa de ser assustador.

Fomos das primeiras nações do Mundo a abolir a Pena de Morte.

Será que vamos ser a última a abolir os Touros de Morte?

Porque, espero que tenham consciência disso, os Touros de Morte não são só em Barrancos. São em todas as localidades onde se faz uma tourada. Em Barrancos o Touro é morto à frente de todos. Nas localidades restantes o Touro é morto num matadouro depois do espectáculo para o qual se preparou a vida inteira. A tal vida de luxo que os ganadeiros magnanimamente lhe proporcionaram.

Mas regressemos ao tema central, i.e. dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena.


Aceito, com dificuldade, que Porcos Pretos sejam transportados em agonia infernal para que possamos apreciar um prato de secretos. Não me agrada, mas aceito.

E aceito o anterior da mesma forma que aceito que um Impala seja desfeito em bocados por Leoas. As Leoas, como sabem, não são particularmente delicadas quando começam a retirar nacos da sua presa, ainda viva. Perguntem a uma Zebra, se conseguirem que ela vos dê atenção enquanto um conjunto de Hienas lhe come as vísceras ainda quentes.

E nós, humanos, fingimos que somos delicados na forma como lidamos com as nossas presas e temos livros repletos de legislação que nos obriga a não stressar os animais, a tratá-los com dignidade, etc. Mas, sejamos pragmáticos, não o fazemos. Somos predadores e chacinamos as nossas presas. Custa admitir, mas é o que é. E aceito isso.

Mas não aceito as touradas. Porque as touradas são algo de muito diferente deste comportamento predador-presa.

Não aceito que touros sejam cravados com ferros para que o público aplauda as mãos que espetam os ferros.

Também não aceito que cavalos sofram ferimentos (frequentemente mortais, embora nem sempre isto seja imediato) enquanto o público aplaude ferozmente sempre que um touro consegue manobrar mais rapidamente que o equino.

Também não aceito que um animal seja criado unicamente para que possamos aplaudir a sua morte. Teria mais consideração por uma tourada se, no final, o animal fosse morto e comido por todos os presentes.

Curiosamente, quase que aceito a pega (não confundir com pêga, que é algo de bastante diferente...) porque, caraças, é preciso tê-los no sítio para estar de pé, sem qualquer tipo de arma, frente a uma besta de 600 Kg, lixada da vida, que carrega sobre nós.

É, de facto, um exemplo dramático da milenar luta do Homem contra o Animal, na sua forma (quase) mais pura. Mas será essa luta assim tão igual e estóica?

Não esqueçamos que, antes da pega, vários toureiros lidaram o animal e, essencialmente, cansaram-no ao ponto de ele pouco mais conseguir fazer do que elevar, quem o pega, pelos ares. Não sou entendido nesta espécie, mas duvido seriamente que um Touro Bravo de 600 Kg, e 100% rijo de saúde, consiga ser travado à unha por um punhado de homens.

Sim, a pega parece uma luta igual, mas não esqueçamos que o Touro leva meia-dúzia de ferros espetados no lombo. É por esse motivo, inclusivamente, que lhe escorre sangue pelo pêlo negro abaixo.

Ora, não é preciso ser um perito para constatar que 20~30 minutos de correria, e umas farpas espetadas no lombo, constituem um handicap deveras substancial.

Aliás, recordo-vos a célebre cena do Gladiador em que o viperino imperador [Joaquin Phoenix], minutos antes de defrontar o Gladiador [Russel Crowe] na arena, lhe espeta uma valente lâmina no lombo, para equilibrar a luta.

No filme, apesar do ferimento, o Gladiador conseguir matar o Imperador, antes de sucumbir mortalmente. E, depois, saiu numa padiola transportada nos ombros de legionários, sob fortes aplausos do público, que tinha apreciado a sua valentia e triunfo em condições adversas.

Numa tourada o toureiro, que lutou com um animal ferido e ensanguentado, sai 99% (?) das vezes pelo seu pé, sob intensos aplausos e com ramos de flores nos braços. O Touro abandona o recinto sob o engano de uma manada de cabrestos... Na sua cabeça imagina, possivelmente, uma viagem de volta para o prado verdejante onde foi tratado como um Lord durante 3~4 anos. Mas, no cruzamento rodoviário, observa intrigado a curva inesperada que a camioneta fez para outra direcção... para o matadouro sujo onde um tipo de galochas e bata salpicada de sangue, lhe vai dar um choque eléctrico na cabeça.

O Touro Bravo, que corria sem restrições num prado sem fim, na véspera jaz, agora, morto e é arrastado para ser incinerado. Já não é um Touro Bravo. É categorizado oficialmente como lixo biológico e, como tal, manda a Lei que seja incinerado. E assim será, se a Autarquia local tiver dinheiro para pagar o transporte e a incineração, que não são baratos com animais deste porte. Se a Autarquia estiver com o orçamento rebentado o Touro acaba os dias no aterro sanitário da povoação.

É isto que os defensores das touradas tanto defendem?

E chamam-me, às vezes, de defensor dos animais num tom pejorativo, como se eu tivesse uma doença?

Eu, defensor dos animais, como arroz de cabidela, carapaus fritos e borrego assado. Porque sou um Homo sapiens sapiens e o meu código genético manda-me comer proteína animal e vegetais. Sou omnívaro. Eu e todos vós, mesmo os que preferem não comer carne. É o que somos. Quer gostem, quer não.

...Mas raios me partam se ponho os pés numa tourada.

Enfim, termino com alguns pontos rápidos, em jeito de reflexão final:
  • Compreendo que a Tourada seja um fenómeno com profundas raízes culturais; os Circos Romanos também o foram durante Séculos mas, a dada altura, considerou-se que estava na hora de os parar.
  • Compreendo que muitas pessoas auferem um rendimento apreciável com as touradas; mas estou certo que não irão morrer à fome se as touradas forem paradas, particularmente se tiverem um aviso de vários anos e se o Governo os subsidiar durante alguns anos adicionais.
  • Compreendo que se tema que o Touro Bravo desapareça se a tourada desaparecer. Duvido seriamente que isso suceda. Já olharam bem para um Touro Bravo? Que ganadeiro é que quer prescindir de criar um animal com um porte tão altivo e tão extraordinário? Haverá sempre espaço, na nossa sociedade, na Feira da Golegã e outros eventos que valorizam a nossa fauna agrícola, para apreciarmos estes animais surpreendentes e possantes.
  • E compreendo que queiram salvar os pobres milhões de animais que comemos diariamente antes de gastarmos energias no salvamento do Touro Bravo. Mas, antes de salvarmos esses pobres milhões de animais, temos de Opção 1: eliminar dois terços da população do planeta ou Opção 2: mudar radicalmente o nosso estilo de vida. Porque, se não o fizermos, o salvamento dos animaizinhos que comemos é um mero exercício de cosmética.


Agora digam-me, por favor, quais são os vossos outros argumentos em defesa das touradas porque eu estou, de facto, curioso em ouvi-los.

João Correia