domingo, 30 de dezembro de 2007

I am legend e as pipocas

Se já viram o meu perfil saberão que gosto de ir ao cinema. Mais importante do que isso, adoro cinema.


Regressei há alguns minutos do I am legend... Imperdível! Uma experiência verdadeiramente gratificante. Saí de lá com aquela sensação simpática de Isto é que é cinema, caragos!


Aproveito a oportunidade para referir que compro sempre um pacotão de pipocas e um copázio de Cola cola Light (light porque, quando se chega aos 30, o diabo dos açúcares que entram em nós recusam-se a sair!...). E antes que me melguem o juízo com o tradicional Detesto ouvir as pessoas a comerem pipocas no cinema! deixem-me responder :


  • Há salas com pipocas e salas sem pipocas.


  • Capisce?


    Abração a todos e um Super 2008!!

    domingo, 25 de novembro de 2007

    Prémio

    Recebemos um prémio, pessoal!


    :-)


    The


    Awarded by
    Leonor
    to João

    quinta-feira, 15 de novembro de 2007

    As touradas

    Pois é… Depois de Cães Perigosos só podia continuar com algo tão controverso, e que move tantas paixões, como as Touradas.

    Mas o Fenómeno Tourada tem de ser abordado com cautela. Mais que não seja, pelo número de pessoas envolvidas que, comparativamente ao tema Cães Perigosos, é substancialmente superior.

    Este post foi escrito para as pessoas que gostam e defendem com paixão as touradas. Mais importante ainda, este post dirige-se a todos aqueles que acusam quem quer acabar com as touradas, como eu, de estar a ser hipócrita, inculto, ignorante e outros nomes simpáticos que circulam pela net e jornais.

    Este post não tem imagens, porque não me parece correcto vender a minha filosofia à custa de fotografias de Touros ensanguentados. Mas quem tiver um desejo mórbido de ilustrar estas linhas poderá clicar aqui (e em outros sites semelhantes) para satisfazer a sua curiosidade.


    Pois devo confessar que não gosto de Touradas e consigo resumir toda a minha argumentação a uma única palavra: entretenimento.

    Porque é isso mesmo que as Touradas são, entretenimento. E só por este motivo me parece que todos os argumentos pró-tourada são abalados profundamente; porque todos esses argumentos são apresentados em defesa de algo que não é essencial para a nossa sobrevivência, que é supérfluo e que é um passatempo.

    Mas permitam-me que tenha a audácia de expandir este tema e que tente desmontar os tradicionais argumentos pró-tourada um a um. Estes argumentos estão listados em baixo (e desde já vos peço que m’o(s) recordem, se me esquecer de algum):

    • As touradas são uma forma de vida para milhares de pessoas, que se veriam desprovidas de sustento se esta prática terminar.

    • As touradas são a única razão porque o Touro Bravo ainda existe. Se as touradas acabarem, esta raça de animal também acabará.

    • A tourada é um fenómeno profundamente enraizado na cultura Ibérica. Acabar com as touradas é eliminar um pedaço da nossa cultura.

    • E, finalmente, dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos, borregos, cordeiros e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena. Ou seja, na mente dos que advocam este argumento só devíamos acabar com as touradas depois de se acabar com o sofrimento destes outros animais, já que o destes últimos é prioritário.


    Antes de começar a desmontar os argumentos anteriores, um a um, deixem-me repetir o meu único argumento contra as touradas:
    • As touradas são uma forma de entretenimento à base de crueldade para com animais, nomeadamente Touros e Cavalos. Sim, não esqueçamos as pauladas que os Cavalos levam dentro e fora da arena, porque a nobre arte equestre de lida de um Touro não se consegue sem umas valentes esporas cravadas nos flancos.


    Pois bem, vamos ao primeiro argumento, i.e. as touradas são uma forma de vida para milhares de pessoas, que se veriam desprovidas de sustento se estas acabarem.

    Possivelmente não estarão 100% familiarizados com o meio mas deixem-me dizer-vos que as pessoas envolvidas no meio tauromáquico são, na sua maioria, empresários. E bem sucedidos. E, como tal, têm várias fontes de rendimento, sendo as touradas apenas uma delas. Recordemos que as touradas são um espectáculo de Verão e certamente que os toureiros, ganadeiros e empresários associados terão outras formas de sustento durante o Inverno. Duvido seriamente que passem os meses frios em casa, à lareira, a gozarem os rendimentos recolhidos nas touradas de Verão.

    Do que tenho observado (e vivi a minha infância no Cartaxo, em pleno Ribatejo, de 1972 a 1989), as pessoas que têm Touros, Cavalos e que gostam de ir a touradas têm, também, campos cultivados com cereais, gado que criam e vendem (para alimentação), Cavalos que levam a exposições e a provas de competição, e variadíssimas outras actividades de natureza campestre e agrícola. Os rendimentos auferidos como consequência directa das touradas são, parece-me, minoritários nos rendimentos globais deste grupo. Mas aceito que possa não estar 100% correcto neste pressuposto. E é por esse motivo que darei continuidade a este raciocínio...

    ...Porque entendo que, por si só, este argumento não é suficiente para justificar a continuidade de uma actividade. Deixem-me recordar-vos que a Pesca é, actualmente, uma prática economicamente falida, que sobrevive à conta de subsídios governamentais. Se calhar não sabiam, mas, anualmente, e globalmente, os custos da Pesca (combustíveis, vencimentos, equipamentos, reparações, seguros, etc., etc.) são superiores às receitas. Mas variados Governos, incluindo o Português, têm tentado colmatar a falta de peixes no mar (que se deve essencialmente à sobre-pesca a que estiveram sujeitos durante décadas de exploração não sustentável) de formas criativas, com as quais concordo genericamente. Porquê? Porque precisamos da pesca e precisamos que nos metam peixe na boca. Porque somos quase 7.000 milhões de bocas e precisamos de comer várias vezes por dia (se tivermos sorte).

    Mas dizia eu que o Governo Português (e praticamente todos os Governos de Países em que se pesca a sério) subsidia e suporta a pesca de várias formas, algumas das quais bastante interessantes. Estou a lembrar-me do programa FORPESCAS, cujo objectivo é direccionar os filhos de pescadores para outras áreas do domínio marítimo que não envolvem a colheita de peixes do mar. É natural que os filhos de pescadores sigam as pisadas dos pais. Foi assim durante séculos. Mas, hoje em dia, isso já não pode acontecer. Porque os pais de hoje já praticamente não conseguem pagar as suas contas com os peixes que recolhem do mar. E certamente que os filhos de amanhã também não o conseguirão. E é por isso que têm de ser instruídos em artes como a aquacultura, manutenção de espécies em aquários públicos, biologia marinha, oceanografia, hidrografia, etc. Estas pessoas têm uma forte ligação ao mar e parece-me uma óptima ideia instruí-los em profissões de natureza marítima e com zero impacto nos recursos vivos marinhos. Há que rentabilizar a pesca e os recursos humanos que a ela estão associados.

    Se isto se fez com a pesca, porque não fazê-lo com as touradas?

    Se o Governo anunciasse, hoje, que as touradas seriam extintas daqui a cinco (ou dez) anos, será assim tão inconcebível assumir que as pessoas actualmente envolvidas no meio tauromáquico conseguiriam assegurar meios de subsistência alternativos num prazo de cinco ou dez anos?



    Vamos ao segundo argumento, i.e., as touradas são a única razão porque o Touro Bravo ainda existe. Se as touradas acabarem, esta raça de animal também acabará.

    Acredito sinceramente que nada poderia estar mais longe da verdade.

    O Touro Bravo é um animal imponente, soberbo e impressionante. Não acredito que os actuais ganadeiros, que se dedicam à criação desta raça de animais nobres, deixem as suas manadas acabarem.

    Então e as exposições? Os concursos? As feiras? Os prémios de Melhor Touro do Ano? Os negócios entre criadores, que estão sempre a disputar e a negociar o melhor macho e a melhor fêmea? E porque não subsídios governamentais (na forma de incentivos fiscais, descontos no gasóleo, mais deduções no I.R.C., etc., etc.) para os criadores desta raça?

    E, já que estamos a falar de raças em perigo, porque não a mesma estratégia para os famosos Burros , que estão em risco de desaparecer? Refiro-me aos quadrúpedes, claro. Porque, os bípedes, estão a proliferar de uma forma descontrolada...

    O Governo gasta milhões de Euros em subsídios para a Agricultura, Pescas e outras actividades, e com toda a legitimidade, deve-se acrescentar. Porque não canalizar parte desses valores para os criadores destas raças?

    Como cidadão pagador de impostos declaro já aqui, publicamente, que não me importo que me debitem uma pequena fatia do ordenado para subsidiar os senhores que correm risco de morrer à fome se lhes tirarem a oportunidade de espetar ferros em Touros. Mas, ah, esperem... já me tiram essa fatia de ordenado, não tiram? E a ela chamamos impostos, correcto? Então só me resta desejar que esses impostos sejam aplicados de uma forma sensata.


    Vamos ao terceiro argumento, i.e. a tourada é um fenómeno profundamente enraizado na cultura Ibérica.

    É verdade que a tourada é um fenómeno culturalmente significativo em Portugal, Espanha e outros países latinos.

    Mas sabem como começaram as touradas em Portugal e Espanha? Durante a ocupação Romana, há 2.000 e tal anos, os nobres passavam algum do seu tempo de ócio em coliseus improvisados, nos quais pessoas sem instrução, escravos, cristãos (quando deixaram de ser um fenómeno marginal e passaram a ser um incómodo), prisioneiros de guerra, pessoas com deformidades, opositores políticos e toda a espécie de indesejáveis eram degolados, devorados e desmembrados por animais selvagens e / ou outros seres humanos munidos de elmos, redes, mocas, lanças e demais parafernália afiada e pesada.

    Esse espectáculo era aceite pela sociedade, que aplaudia entusiasticamente quando, por exemplo, um urso arrancava a cabeça de uma criança com feições diferentes (que era o caso dos espécimes recolhidos em expedições ao Extremo Oriente, para demonstrar aos conterrâneos as bizarrias que abundavam em terras distantes).

    Esse espectáculo foi aceite até algumas vozes começarem a fazer-se ouvir e a resmungar contra estas práticas. Certamente que essas vozes foram apelidadas de chatas e incómodas na altura. Porventura algumas até terão sido caladas com lâminas aguçadas, manejadas por mãos que tinham muito a perder se o comércio de gladiadores e escravos fosse proibido.

    Mas, a dada altura, alguém, numa posição de governo, decidiu que estava na hora de parar aquele espectáculo sangrento.

    E parou.

    Ou não?

    Esse espectáculo incluía, na Península Ibérica, actuações fortemente aplaudidas por parte de Touros Bravos, animais potentes, abundantes nestas paragens, e que traziam muita animação à festa. Dir-se-ia, por isso, que esta paragem do fenómeno foi aceite em todo o lado menos na Península Ibérica. É quase como se tivéssemos dito Agora que os chatos dos Romanos se foram embora, podemos continuar a fazer estas macaquices com Touros sem ninguém nos chatear.

    2.000 anos depois, o espectáculo continua e dir-se-ia que ninguém tem coragem para o travar.



    E, por fim, o quarto argumento, i.e. dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena.

    Bom, como biólogo marinho e, mais importante ainda, como ser humano, fico perfeitamente chocado com as condições atrozes em que muitos animais são criados.

    Mas não esqueçamos um ponto crítico nesta análise:

    Estamos a falar de comida. Sim, há animais que são criados em condições deploráveis e contra as quais temos Legislação abundante que, infelizmente, nem sempre é aplicada. Mas esses animais são nossas presas. E nós somos os seus predadores. E não esqueçamos que vivemos num Planeta que está a chegar aos sete mil milhões de predadores. E que, há umas três décadas, eram 4.000 milhões. E há 150 anos nem a 1.000 milhões chegávamos. (se tiverem curiosidade por estas estatísticas recomendo uma visita a www.ibiblio.org/lunarbin/worldpop)

    Ou seja, se queremos sobreviver, temos mesmo de produzir comida em massa, por mais difícil que isso nos seja de engolir (se me permitirem a redundância da expressão).

    Temos de juntar animais em armazéns, temos de enchê-los de hormonas (para que cresçam depressa) e temos de garantir que esta comida se multiplica e vem parar aos nossos carrinhos de compras, sob pena de passarmos os dias com fome.

    Ou julgam que há espaço neste planeta para termos animais em regime free range?

    Ou julgam que toda a população do planeta tem carteira para comprar comida se esta fosse produzida em regime orgânico e 100% natural?

    É que é muito fácil apregoar Salvem os direitos dos animais quando se tem um emprego das 9 às 6, quando se tem tempo para estar na Internet a dar opiniões sobre o que desconhecidos escreveram em Blogs, quando se ganha 1.000+ euros por mês e se vai às compras a charcutarias com Delicatessen caras.

    Mas digam isso às pessoas que trabalham 14 horas por dia, que ganham 500 euros por mês, que têm várias bocas para alimentar em casa e que nunca viram um Blog na vida. Digam-lhes para só comprarem verduras que cresceram sem químicos. Digam-lhes para comprarem ovos de galinhas que nunca viram uma capoeira. Digam-lhes para comprarem carne de vacas que se rebolam na erva fresca e húmida do orvalho matinal.


    Newsflash para quem ainda não percebeu a verdadeira crise que assola os nossos tempos: se o planeta inteiro vivesse como nós (i.e. Ocidentalizados) vivemos, precisaríamos de três planetas para sustentar o nosso estilo de vida. Isto é um facto mais que provado e posso disponibilizar-vos muita literatura científica sobre o tema.

    Só que não temos três planetas.

    Só temos um.

    E, neste único planeta que temos, não há espaço para fazermos crescer comida para 7.000 milhões de almas (que, dentro de poucos anos, serão dez mil milhões) em regime orgânico e 100% natural.

    Não há.

    E é preciso que metam isso na cabeça.

    O nosso planeta atravessa a maior crise que jamais atravessou. Estamos a lutar pela nossa sobrevivência e as pessoas nem se apercebem disso.

    Mas já me estou a dispersar... Num outro post tentarei educar-vos acerca destes aspectos... Até lá, podem ir estudando a matéria em An Inconvenient Truth. Ignorem o facto de que é um filme em torno de um Americano com aspirações políticas e concentrem-se no ponto verdadeiramente fulcral do website: o aquecimento global e o fim da vida humana no planeta Terra.

    Voltemos aos Touros, à nossa necessidade de comermos diariamente e à não-necessidade de torturarmos animais para gáudio de uma plateia.

    Reparem: devíamos tratar os animais de que nos alimentamos de uma forma eticamente correcta e digna? Obviamente que sim. E tratamos os animais de uma forma eticamente correcta e digna? Tristemente, não.

    Mas não vamos deixar que esse facto triste sirva de máscara para as touradas, que são entretenimento, ok? Não vamos misturar os conceitos sobrevivência da nossa espécie com entretenimento, ok?

    É claro que podemos despender tempo no diálogo sobre a legitimidade que temos, como espécie, em sacrificar outras para a sobrevivência da nossa. Mas isso é um diálogo longo e ainda mais controverso, que terá de ficar para outro post.

    E não esqueçamos estes dois pontos charneira:
    • Até a morte dos animais dos quais nos alimentamos é feita de uma forma rápida e, supostamente, indolor. Já sabemos que os matadouros nem sempre obedecem a todas as regras de higiene e também já sabemos que o transporte de animais nem sempre é feito com as condições exigidas pela Lei. Mas, pelo menos, a morte do animal é rápida.
    • Nas touradas a morte é lenta. Aliás, que palavra se utiliza regularmente quando a morte é atrasada em prol da oportunidade de infligir dor? Eu julgo que a palavra é tortura, certo? Que outra palavra se dá ao fenómeno segundo o qual causamos dor a um animal (não esqueçamos que nós, seres humanos, também o somos) sabendo perfeitamente que o mesmo está condenado à morte? E, depois, vêm dizer-me que os Touros Bravos são criados com condições extraordinárias?? Para quê?? Para serem torturados antes de morrerem??


    É precisamente por isto que o meu Blog se chama Sem areia nos olhos. Então ninguém se apercebe de quão pérfido é o conceito de criar para torturar?


    Dizem-me que as touradas não devem acabar porque os Touros também acabariam. E depois? É melhor criar Touros para os podermos torturar?

    Qual é, exactamente, a diferença entre isso e criar (ou capturar) Macacos para, depois, lhes comermos o cérebro enquanto ainda estão vivos? Toda a gente se arrepiou quando leu isto, certo? Pois, mas é o que se faz no Extremo Oriente. Mas não é só no Extremo Oriente que se criam (ou capturam) animais para os torturarmos; em Barrancos faz-se o mesmo. No Ribatejo também. E em muitos outros sítios do nosso País. E de Espanha. E da Argentina. E de outros.

    E é legal.

    É ilegal comprar uma cadeirinha de bebé que não seja certificada.

    Mas é legal torturar um Touro Bravo durante um espectáculo.

    E é legal cobrar bilhetes para as pessoas irem ver esse espectáculo.

    É ilegal sair à rua com a Anouk sem açaime.

    Mas é legal espetar ferros no lombo de um Touro Bravo e ser pago para isso.

    Mas serei só eu que consegue ver quão retorcido tem de ser o raciocínio que defende uma tourada??

    E permitam-me que ainda agite mais o caldeirão com este conceito:

    Sabiam que a maior parte dos psicopatas torturaram animais quando eram crianças?

    Tirar prazer da tortura de um animal é um sintoma clínico de algum tipo de perturbação. Será que Portugal é, então, colectivamente uma Nação de pessoas perturbadas? A Lei que permite as touradas assim o sugere, o que não deixa de ser assustador.

    Fomos das primeiras nações do Mundo a abolir a Pena de Morte.

    Será que vamos ser a última a abolir os Touros de Morte?

    Porque, espero que tenham consciência disso, os Touros de Morte não são só em Barrancos. São em todas as localidades onde se faz uma tourada. Em Barrancos o Touro é morto à frente de todos. Nas localidades restantes o Touro é morto num matadouro depois do espectáculo para o qual se preparou a vida inteira. A tal vida de luxo que os ganadeiros magnanimamente lhe proporcionaram.

    Mas regressemos ao tema central, i.e. dizem as pessoas pró-tourada que os defensores dos direitos dos animais deviam era preocupar-se com as condições em que vacas, bois, frangos e afins são criados para nos alimentarem, não esquecendo que os Touros Bravos têm uma vida privilegiada, em campo aberto, durante os 3~4 anos que antecedem a sua introdução à arena.


    Aceito, com dificuldade, que Porcos Pretos sejam transportados em agonia infernal para que possamos apreciar um prato de secretos. Não me agrada, mas aceito.

    E aceito o anterior da mesma forma que aceito que um Impala seja desfeito em bocados por Leoas. As Leoas, como sabem, não são particularmente delicadas quando começam a retirar nacos da sua presa, ainda viva. Perguntem a uma Zebra, se conseguirem que ela vos dê atenção enquanto um conjunto de Hienas lhe come as vísceras ainda quentes.

    E nós, humanos, fingimos que somos delicados na forma como lidamos com as nossas presas e temos livros repletos de legislação que nos obriga a não stressar os animais, a tratá-los com dignidade, etc. Mas, sejamos pragmáticos, não o fazemos. Somos predadores e chacinamos as nossas presas. Custa admitir, mas é o que é. E aceito isso.

    Mas não aceito as touradas. Porque as touradas são algo de muito diferente deste comportamento predador-presa.

    Não aceito que touros sejam cravados com ferros para que o público aplauda as mãos que espetam os ferros.

    Também não aceito que cavalos sofram ferimentos (frequentemente mortais, embora nem sempre isto seja imediato) enquanto o público aplaude ferozmente sempre que um touro consegue manobrar mais rapidamente que o equino.

    Também não aceito que um animal seja criado unicamente para que possamos aplaudir a sua morte. Teria mais consideração por uma tourada se, no final, o animal fosse morto e comido por todos os presentes.

    Curiosamente, quase que aceito a pega (não confundir com pêga, que é algo de bastante diferente...) porque, caraças, é preciso tê-los no sítio para estar de pé, sem qualquer tipo de arma, frente a uma besta de 600 Kg, lixada da vida, que carrega sobre nós.

    É, de facto, um exemplo dramático da milenar luta do Homem contra o Animal, na sua forma (quase) mais pura. Mas será essa luta assim tão igual e estóica?

    Não esqueçamos que, antes da pega, vários toureiros lidaram o animal e, essencialmente, cansaram-no ao ponto de ele pouco mais conseguir fazer do que elevar, quem o pega, pelos ares. Não sou entendido nesta espécie, mas duvido seriamente que um Touro Bravo de 600 Kg, e 100% rijo de saúde, consiga ser travado à unha por um punhado de homens.

    Sim, a pega parece uma luta igual, mas não esqueçamos que o Touro leva meia-dúzia de ferros espetados no lombo. É por esse motivo, inclusivamente, que lhe escorre sangue pelo pêlo negro abaixo.

    Ora, não é preciso ser um perito para constatar que 20~30 minutos de correria, e umas farpas espetadas no lombo, constituem um handicap deveras substancial.

    Aliás, recordo-vos a célebre cena do Gladiador em que o viperino imperador [Joaquin Phoenix], minutos antes de defrontar o Gladiador [Russel Crowe] na arena, lhe espeta uma valente lâmina no lombo, para equilibrar a luta.

    No filme, apesar do ferimento, o Gladiador conseguir matar o Imperador, antes de sucumbir mortalmente. E, depois, saiu numa padiola transportada nos ombros de legionários, sob fortes aplausos do público, que tinha apreciado a sua valentia e triunfo em condições adversas.

    Numa tourada o toureiro, que lutou com um animal ferido e ensanguentado, sai 99% (?) das vezes pelo seu pé, sob intensos aplausos e com ramos de flores nos braços. O Touro abandona o recinto sob o engano de uma manada de cabrestos... Na sua cabeça imagina, possivelmente, uma viagem de volta para o prado verdejante onde foi tratado como um Lord durante 3~4 anos. Mas, no cruzamento rodoviário, observa intrigado a curva inesperada que a camioneta fez para outra direcção... para o matadouro sujo onde um tipo de galochas e bata salpicada de sangue, lhe vai dar um choque eléctrico na cabeça.

    O Touro Bravo, que corria sem restrições num prado sem fim, na véspera jaz, agora, morto e é arrastado para ser incinerado. Já não é um Touro Bravo. É categorizado oficialmente como lixo biológico e, como tal, manda a Lei que seja incinerado. E assim será, se a Autarquia local tiver dinheiro para pagar o transporte e a incineração, que não são baratos com animais deste porte. Se a Autarquia estiver com o orçamento rebentado o Touro acaba os dias no aterro sanitário da povoação.

    É isto que os defensores das touradas tanto defendem?

    E chamam-me, às vezes, de defensor dos animais num tom pejorativo, como se eu tivesse uma doença?

    Eu, defensor dos animais, como arroz de cabidela, carapaus fritos e borrego assado. Porque sou um Homo sapiens sapiens e o meu código genético manda-me comer proteína animal e vegetais. Sou omnívaro. Eu e todos vós, mesmo os que preferem não comer carne. É o que somos. Quer gostem, quer não.

    ...Mas raios me partam se ponho os pés numa tourada.

    Enfim, termino com alguns pontos rápidos, em jeito de reflexão final:
    • Compreendo que a Tourada seja um fenómeno com profundas raízes culturais; os Circos Romanos também o foram durante Séculos mas, a dada altura, considerou-se que estava na hora de os parar.
    • Compreendo que muitas pessoas auferem um rendimento apreciável com as touradas; mas estou certo que não irão morrer à fome se as touradas forem paradas, particularmente se tiverem um aviso de vários anos e se o Governo os subsidiar durante alguns anos adicionais.
    • Compreendo que se tema que o Touro Bravo desapareça se a tourada desaparecer. Duvido seriamente que isso suceda. Já olharam bem para um Touro Bravo? Que ganadeiro é que quer prescindir de criar um animal com um porte tão altivo e tão extraordinário? Haverá sempre espaço, na nossa sociedade, na Feira da Golegã e outros eventos que valorizam a nossa fauna agrícola, para apreciarmos estes animais surpreendentes e possantes.
    • E compreendo que queiram salvar os pobres milhões de animais que comemos diariamente antes de gastarmos energias no salvamento do Touro Bravo. Mas, antes de salvarmos esses pobres milhões de animais, temos de Opção 1: eliminar dois terços da população do planeta ou Opção 2: mudar radicalmente o nosso estilo de vida. Porque, se não o fizermos, o salvamento dos animaizinhos que comemos é um mero exercício de cosmética.


    Agora digam-me, por favor, quais são os vossos outros argumentos em defesa das touradas porque eu estou, de facto, curioso em ouvi-los.

    João Correia

    quarta-feira, 24 de outubro de 2007

    O porquinho fofinho


    Clique no Porquinho Fofinho para ouvir uma canção muito linda. Tem som.

    quarta-feira, 10 de outubro de 2007

    A Lei dos Cães Perigosos


    A Anouk nasceu no dia 25 de Julho de 2002. É uma cadela extraordinariamente doce. Quando se pensou, lá em casa, em ter um cão eu confesso, apesar de ser Biólogo Marinho e gostar de bicharada, que achei uma péssima ideia. O pêlo, a necessidade de o levar à rua, as contas do veterinário, o que fazer com ele nas férias, etc., etc. Mas, ao fim de alguma resistência – e de uma boa dose de investigação sobre o tema - cedi.

    E ainda bem.

    A Anouk faz parte da família. A Anouk é, decididamente, o cão mais adorável, meigo e bem-disposto que já vi. Não consigo imaginar a minha vida sem ela. Adoro levá-la à rua, aos correios, ao super-mercado (onde espera, educadamente, à porta), a Olhão, a Peniche e a todos os sítios onde vou regularmente. Se tenho um compromisso de duas horas, ou menos, a Anouk vai comigo. Espera um pouquinho no carro, com as quatro janelas entreabertas e uma tigela cheia de água e, quando regresso, damos uma passeata. A Anouk adora conhecer sítios novos e eu adoro vê-la a explorar cheiros e formas originais.

    É curioso como as tarefas que me pareciam tão aborrecidas, afinal, não custam nada. Ok, os passeios debaixo de chuva não têm graça. Mas são pouco frequentes e o passo é apressado. A apanha dos cocós também não é particularmente excitante, mas também não é o fim do mundo. O truque é andar sempre cheio de sacos nos bolsos de trás das calças!

    Os jantares lá em casa são, às vezes, um bocadinho ‘intensos’. A Anouk fica louca de alegria quando ouve a campainha e senta-se imediatamente em frente à porta, com as orelhas hirtas e pose de espera ansiosa, enquanto aguarda pelos convidados. Depois do habitual pulo de boas-vindas (nem sempre bem acolhido pelos recém-chegados, é verdade…) sossega e enquadra-se no grupo. Se o grupo for bem-comportado e ignorar a Anouk enquanto comemos, tudo corre bem. Se o grupo for mal-comportado e passar a noite a retribuir a sede de atenção do bicharoco, a noite é repleta de tentativas de abuso e saltos para o colo, absoluta e positivamente proibidos. Dir-se-ia, por isso, que a suavidade da noite está mais relacionada com a disciplina dos convidados do que com o comportamento da Anouk.

    Mas esta é uma pequeníssima mostra do que é viver com a Anouk. Como em tudo, na vida, tem coisas boas e coisas menos boas. Mas o apuramento é muito, muito positivo. Imensamente positivo. E altamente recomendável.

    A Anouk fica sozinha em casa enquanto saio para trabalhar. Felizmente sou consultor / freelancer / professor e desenvolvo uma dose substancial de trabalho em casa. Às vezes a Anouk fica sozinha umas oito horas. Mas, na maioria dos dias, só fica sozinha umas quatro ou cinco. Quando meto a chave na porta ouço-a, lá dentro, a levantar-se da cama dela, de repente, e a correr em direcção à porta. Enquanto rodo a chave já a ouço a cheirar a porta, frenética, e a confirmar que sou eu. Quando abro a porta a cara dela enche-se de luz e o rabinho quase salta, de tanto abanar. Quando entro cubro-a de palmadas amigas e sento-me no chão, enquanto ela me lambe a cara e se esfrega em mim, para absorver o meu cheiro e me impregnar com o dela. Porque, na cabeça da Anouk, eu sou tanto dela como ela é minha. E na minha cabeça é assim também. Ela adora enroscar-se em mim e deitar-se de barriga para o ar, para eu lhe fazer festas na pançota e fazê-la rodar no chão, como se fosse uma campeã de break-dance.

    Mas há um lado pouco simpático em toda esta história… E esse lado é mais negro do que o pêlo lustroso e com cheiro a bebé da Anouk…

    É que a Anouk é uma Rottweiler. Meiga, terna, fiel, a minha melhor amiga, mas Rottweiler.


    Legenda: Imitação de Jardel da Anouk. Cartaxo, 01-11-2006.


    Um terço dos condóminos do meu prédio adora a Anouk, faz-lhe festas quando nos cruzamos, não se importa que ela lhe lamba as mãos e o reconheça com uma boa cheiradela das calças. Outro terço ignora-a. E outro terço odeia-a e recusa-se a viajar no elevador com ela, apesar de ela tentar cativá-lo com uma boa lambidela.

    A Anouk, como muitos outros animais, é vítima de um preconceito pateta e desinformado.

    E uso as expressões ‘pateta’ e ‘desinformado’ com conhecimento de causa, porque eu próprio já fui um pateta desinformado. Mas curei-me. Devo confessar, com uma enorme dose de embaraço, que achei a ideia de termos uma cadela Rottweiler perfeitamente pateta. Aliás, lembro-me de dizer ‘Diabos! Um dia acordamos com o bicho em cima de nós, a comer-nos a garganta!’ Mas li algumas coisas, falei com pessoas que tinham mais experiência do que eu (o que não era difícil, porque eu não tinha nenhuma) e informei-me. Documentei-me. E, hoje em dia, conheço muito bem o fenómeno ‘cão perigoso’.


    Legenda: Anouk com um amigo, em casa da Anita Ribeiro. Queijas, 28-10-2006.

    NOTA TÉCNICA - A Anouk fica sempre em casa da Anita quando tenho de me ausentar e recomendo-a vivamente! Se precisar de deixar o seu cão durante alguns dias, peça-me o contacto da Anita.


    Curiosamente, o fenómeno ‘animal perigoso’ é-me muito familiar, porque trabalho com tubarões desde 1994. No mar, em aquários, em lotas, em barcos de pesca comercial, em barcos de pesca desportiva, em tanques de transporte, pequenos, grandes, vivos, mortos, perigosos, presos, soltos, já lidei com muitos. Muitos, mesmo. E nunca me magoei. Mas conheço bem a cara que as pessoas fazem quando digo que gosto de, e trabalho com, tubarões.

    Algumas estatísticas, facilmente verificadas na International Shark Attack File (www.flmnh.ufl.edu/fish/Sharks/ISAF/ISAF.htm), mantida pelo ilustre Dr. George Burgess, com quem tomo uns copitos todos os anos, por ocasião da reunião da American Elasmobranch Society, da qual sou membro desde 1994:
    • De 1990 a 2006 registaram-se 948 incidentes com tubarões, o que dá uma média de 56 por ano.
    • Desses 56, uma média de 6, por ano, foram fatais.

    Seis pessoas, por ano, no mundo inteiro.

    Ora, eu não sou perito em matérias rodoviárias, mas atrevo-me a sugerir que, infelizmente, ‘seis’ será o número de vítimas mortais, em Portugal, na primeira hora da tradicional ‘Operação Natal’ que a GNR desenvolve.



    Legenda: Anouk nas traseiras da Escola Superior de Tecnologia do Mar, no Cabo Carvoeiro. Peniche, 18-06-2007.


    Todos os anos morrem dezenas, talvez mesmo centenas, de milhares de pessoas na sequência de incidentes com variadas espécies de animais: elefantes, hipopótamos, leões, tigres, crocodilos, ursos e muitos outros, só para citar alguns dos mais reconhecíveis. Só que estes ‘ataques’ ocorrem em África, na Ásia e envolvem pessoas sem nome, sem carro, sem casa, que moram em locais sem Internet, sem uma delegação da CNN, sem ninguém que se interesse.

    Mas os tubarões têm o péssimo hábito de darem dentadas a seres humanos em locais repletos de tecnologia, máquinas fotográficas digitais e ligações wireless. E é por isso que os ataques de tubarão estão nas inbox de toda a gente poucas horas depois de ocorrerem. Como é que um conjunto de animais que mata SEIS pessoas por ano ganhou fama de ser um assassino, com predisposição para comer seres humanos?? Porque as notícias destes ataques vendem. E não vendem pouco.

    Aliás, vendem tão bem que a reputada revista Time colocou, numa das suas capas do Verão de 2001, uma fotografia de um enorme tubarão com as parangonas ‘Summer of the Shark’ (www.time.com/time/2001/sharks). E escreveu um longo artigo que tentava explicar a invulgar abundância de ataques de tubarão nesse ano. Mas ‘invulgar’ não será a expressão mais correcta. ‘Fabricada’ será mais adequado. Em 2001 houve 68 ataques de tubarão, 4 foram fatais. Em 2000 tinham havido 79, com 11 fatalidades. Mas que se passou no Verão de 2001, para ser apelidado de ‘Summer of the Shark’? Bom, houve o altamente mediatizado ataque ao pequeno Jessie e… Mais nada. O Verão de 2001 não teve notícias. E é por isso que o ataque do Jessie foi espremido e esticado até… bem, até se transformar no ‘Verão do Tubarão’.

    Curiosamente, todo o (alegado) interesse que os tubarões tinham pela nossa espécie, nesse Verão fatídico, dissolveu-se no ar na manhã do dia 11 de Setembro, em que (dir-se-ia) os tubarões acordaram dar-nos umas tréguas e não nos incomodarem mais até… enfim, até não termos mais nada para meter nos jornais e lhes darmos atenção novamente.

    Legenda: A Anouk com o Diogo, filho da Anita Ribeiro. Quando a Anouk está em casa da Anita, o Diogo e ela são inseparáveis. Queijas, 24-11-2006.

    Mas que tem tudo isto a ver com a Anouk?

    É muito simples, é que os acidentes com tubarões são, tal como os acidentes com Rottweilers, ocorrências raras. Extraordinariamente raras.

    E, contudo, vão todos, sem excepção, parar às primeiras páginas dos jornais, enquanto que as dezenas de milhares de acidentes com outros animais (e outras raças de cães) nem sequer são mencionadas.

    E é precisamente neste ponto que eu vou mandar a delicadeza pela janela e começar a falar do coração.

    Ora muito bem, eu gostaria que alguém (oficial ou não) me explicasse quais foram os critérios na base de selecção da famigerada lista de raças ‘Perigosas ou Potencialmente Perigosas’:

    • Número de acidentes registados nos hospitais?
    • Número de acidentes registados em esquadras de Polícia?
    • Número de abates compulsivos registados em veterinários municipais?

    Ou terá sido algo bem mais prosaico, e nem sequer devidamente contabilizado, como ‘Número de referências na imprensa’?

    A Lei dos Cães Perigosos é uma Lei popularista, desenhada para agradar às massas.

    ‘Estão preocupados com os ataques de Rottweilers e Pit-bulls? Então tomem lá uma Lei que os obriga a andar de açaime’, parece que é o que nos tentam dizer os criadores desta Lei.

    Ainda não vi uma tabela de dados oficiais que demonstrem com clareza que as raças enumeradas na 'Lei dos Cães Perigosos' são, de facto, as raças mais envolvidas em acidentes. A minha suspeita é que a presença das raças 'perigosas' em listagens de acidentes (se existirem) é vestigial. Atrevo-me a sugerir, até, que a esmagadora maioria de acidentes ocorre com outras raças. Mas os acidentes com outras raças não fazem notícia, não vendem jornais, não têm interesse nenhum. Os acidentes com Rottweilers, e companhia, são notícia, vendem jornais e são alvo de enorme interesse mórbido por parte de um público que devora novelas, dentro e fora do televisor.

    E foi neste espírito que surgiu esta Lei. Uma Lei criada com base no mesmo princípio que leva um terço das pessoas, na rua (à semelhança do que sucede no meu prédio), a desviarem-se nervosamente da Anouk e comentarem 'Olha, este é um daqueles...'. Na sua esmagadora maioria, essas pessoas nunca lidaram ou contactaram de perto com um Rottweiler na vida. Porque será, então, que associam a imagem destes animais (e outros) à de um monstro assassino, pronto a devorar-lhes as canelas e/ou gémeos? A resposta é simples, porque existem muitas publicações que se auto-intitulam de jornais e, contudo, não passam de pasquins de meia-tigela que favorecem títulos chocantes em letras negras que enchem metade da página. E é por causa da actividade destes meios (televisivos, escritos, etc.) que uma fatia grande da população vive com medo destes animais.

    E que pode, o Governo, fazer face a este medo?

    Despoletar acções que travem sistemática e eficazmente a acção dos cães (e donos) que são verdadeiramente perigosos mas, felizmente, muito pouco numerosos?

    Ou...

    Redigir uma Leia que legitimiza e fundamenta um medo que não tinha, sequer, justificação para existir?

    A resposta tornar-se-á clara mais à frente...

    Vejamos, uma Lei é uma Lei, independentemente da legitimidade dos métodos usados na sua redacção. Notem bem: sou um cidadão cumpridor da Lei. Declaro os meus rendimentos, pago os meus impostos, cumpro o código da estrada e cumpro a Lei dos Cães Perigosos, entre muitos outros exemplos do meu carácter ordeiro e cumpridor.

    Mas custa-me cumprir a Lei dos Cães Perigosos e já explicarei porquê.

    Custa-me ser obrigado a:
    • Colocar um chip na Anouk
    • Vacinar anualmente a Anouk
    • Registar anualmente a Anouk na Junta de Freguesia da minha residência
    • Colocar-lhe um açaime
    • Ter um seguro especial para a Anouk
    • Usar uma trela não extensível e com menos de um metro
    • Andar com um Certificado que atesta que não tenho registo criminal
    • Andar com um Certificado que atesta a minha aptidão física e psíquica para ter a Anouk
    • Pedir autorização à Direcção Geral Veterinária sempre que quiser que a Anouk tenha uma ninhada de Rotties

    É óbvio que todas as medidas supra-citadas são positivas, importantes e constituem exemplos de bom-senso e civismo por parte de todos os donos de cães. De todas as raças. E eu já colocava, de qualquer modo, a maioria destas medidas em prática ainda antes da Lei. Com excepção dos Certificados, que tive de ir tirar a correr depois da entrada da Lei em vigor. Ok, e também admito que nem sempre coloco o açaime na Anouk, simplesmente porque ela é incapaz de morder a alguém (a não ser que alguém me tente morder a mim mas, aí, prefiro realmente poder contar com o auxílio da Anouk).

    Mas o que me perturba na Lei dos Cães Perigosos é que eu, dono de uma cadela Rottweiler, consciencioso, cumpridor da Lei, estou permanentemente na iminência de levar com uma coima de 500 euros (ou mais) se não transportar comigo o dossier de comprovativos de todos os aspectos listados em cima. Os agentes da Autoridade vêm-me passear a Anouk, que adora trotar na rua ao meu lado e dar atenção bem disposta a tudo o que a rodeia, e imediatamente se dirigem a mim e me dizem que ela deve andar de açaime. As pessoas aglomeram-se à nossa volta, enquanto tenho estes pequenos debates com as forças da Lei, e os olhos parecem dizer ‘Boa! Multa lá o gajo do Rottweiler para ver se ele aprende!’ Enquanto esta cena decorre a Anouk fica sentada ao meu lado, sem compreender. Ou, então, detecta uma alma simpática no grupo e dirige-se a ela, para a cumprimentar com umas boas lambidelas na mão.

    Verdade seja dita, tenho tido a boa sorte de contar com a compreensão dos agentes da Autoridade que me têm abordado. Aliás, só um tonto é que não se apercebe da natureza dócil e bem-humorada da Anouk, quando se olha para ela com um mínimo de atenção.

    Mas o que me perturba mesmo na Lei dos Cães Perigosos é a impunidade com que uma franja de cretinos a ignora e se ri dela.

    E estou a falar, como já terão adivinhado, dos imbecis que se dedicam às lutas de cães.

    Não consigo compreender este fenómeno.


    Não consigo compreender que espécie de personalidade de verme é que aceita, no fundo do seu ser, esta prática. E não estou a referir-me apenas aos donos dos cães. Neste pacote de bestas estão incluídos os apostadores, os observadores e, claro, os organizadores.

    Não consigo compreender porque é que as forças da Lei não travam este fenómeno porque, parece-me, é um fenómeno fácil de travar, por ser tão pouco abundante e facilmente localizável.

    Avanço desde já as minhas sinceras desculpas, a quem de direito, se estiver a dizer algum disparate, mas parece-me, na minha perspectiva de leigo e desconhecedor sobre o assunto, que seria extraordinariamente fácil de localizar estas lutas. E mais fácil ainda entrar lá aos tiros e limpar os cães, os donos, os organizadores, os apostadores. Esta solução parecer-vos-á fanatismo barato mas, sinceramente, que castigo dar a um conjunto de indivíduos que se divertem a olharem para dois animais que arrancam nacos de carne um do outro até um deles morrer?

    Tenho uma ideia melhor: em vez de as forças da Lei invadirem os recintos das lutas aos tiros, talvez fosse bem mais interessante colocarem os apostadores, observadores, donos, organizadores e afins, dentro dos buracos onde os cães lutam.

    Agora a sério: compreendo que seja difícil erradicar o tráfico de droga, simplesmente porque estão envolvidos vários milhares de pessoas. Mas será assim tão difícil localizar estas lutas? A revista ‘Visão’ tinha uma peça intitulada ‘Cães Danados’, há alguns meses, e documentava com precisão este fenómeno. Quanto tempo terá demorado, o autor da peça, a localizar estes imbecis? Aliás, a peça até referia o nome do suposto ‘pai’ desta prática em Portugal que, na revista, aparecia orgulhosamente numa foto. Sem comentários…

    Certa vez passeava com a Anouk e alguns imbecis teceram comentários ao porte musculado dela e comentaram que seria boa para as lutas. Perguntaram-me, até, se eu não estaria interessado… Respondi-lhes ‘Essa merda é para paneleiros’. Perante o ar incompreensível deles acrescentei ‘Só um paneleiro é que põe um cão a lutar por ele’.

    Sim, a linguagem foi crua e, obviamente, os meus vocábulos não tinham qualquer intenção de serem associados a cavalheiros de sexualidade alternativa. O termo pareceu-me adequado e foi o que usei. Afinal, que dizer a um conjunto de palermas que tira prazer de ver animais a arrancarem nacos de carne uns dos outros?

    Enfim… Podia passar horas a ilustrar o asco que me assalta quando penso em lutas de cães, em touradas (que serão alvo de um post dedicado, um dia destes) e afins.


    Legenda: A Anouk adora ir à Praia do Baleal, mandar umas corridas, roer um bocado de madeira e enrolar-se na areia molhada, fazendo de conta que é um rissol... Peniche, Março 2007.

    Mas gostaria de terminar com algumas ideias simples:
    • A Lei dos Cães Perigosos, parece-me, foi redigida com base na desinformação tendenciosa que abunda nos meios noticiosos.
    • Actualmente, pouco mais faz do que obrigar os cidadãos cumpridores a preencherem uma lista relativamente longa de requisitos.
    • Os cidadãos não-cumpridores continuam, obviamente, a dedicar-se às lutas. Certamente que não é esta Lei que os irá travar, já que esse tipo de pessoa não costuma alterar os seus comportamentos em virtude de imposições legais.
    • Resta-nos esperar que os senhores dirigentes e agentes da autoridade honrem o cumprimento dos primeiros, obrigando os imbecis não-cumpridores a travarem as suas actividades ilícitas, imorais e clandestinas.
    Como cidadão cumpridor que sou, cumpro a minha parte.

    Façam o favor de cumprirem a vossa.

    Legenda: Anouk no Sapal de Castro Marim. Monte Gordo, 15-09-2007.

    Para terminar, deixo-vos com duas fotografias da Anouk em estilo 'Onde está o Wally'...

    :-)

    Legenda: Anouk nas traseiras da Escola Superior de Tecnologia do Mar, no Cabo Carvoeiro. Peniche, 18-06-2007.

    Legenda: Anouk no mato das Olaias. Lisboa, 11-03-2007.