quarta-feira, 4 de março de 2009

Shark Attack

Ora aqui vai uma cartinha que remeti aos rapazes da Maxmen, na sequência do artigo Shark Attack, publicado na edição de Janeiro 2009. Valham-nos as fotografias da lindíssima Sofia Arruda, que sempre ajudam a lavar os olhos (e a alma) depois da leitura de páginas tão tristemente simples...

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Estimados senhores,


Chamo-me João Correia e trabalho com tubarões (dentro e fora do nosso País) desde 1994.

A minha actividade tem sido desenvolvida no Jardim Zoológico de Lisboa (como tratador de tubarões em 1995); no Oceanário de Lisboa (como curador da colecção de 1997 a 2006 e como consultor desde essa altura); na Escola Superior de Tecnologia do Mar (como docente de várias disciplinas na Lic. em Biologia Marinha e Mest. em Estudos Integrados Oceânicos); e na empresa Flying Sharks (como sócio-gerente e fundador desde 2006).

Paralelamente, fui um dos fundadores da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (www.apece.pt) em 1997; desenvolvi o meu trabalho de campo de Lic. e Mest. na Ilha Bimini (Bahamas) em 1994 e 95; desenvolvi o meu doutoramento (a ser defendido na Univ. de Aveiro em Maio e que já ganhou o Prémio do mar Rei D. Carlos em 2006) na pesca comercial de tubarões e raias em Portugal; tenho largas dezenas de publicações científicas e apresentações em congressos nesta área; e viajo frequentemente para Bruxelas para reuniões de trabalho que visam ‘lobbying’ por melhor legislação que proteja os tubarões e raias nos mares, em colaboração com organizações como a Shark Alliance (www.sharkalliance.org).

Finalizada esta introdução, que, espero, ateste que tenho alguma legitimidade para falar sobre este tema, confesso-me estupefacto com o vosso artigo ‘Shark Attack’ (edição Jan. 09), que me foi encaminhado por um aluno recentemente.

Não vou ‘corrigir’ os diversos disparates escritos pelo autor, Ron Laytner, porque tal tratar-se-ia de um exercício tão fútil como o de explicar a um arrumador de carros a importância de se ganhar a vida de uma forma honesta e legítima; ou como explicar, às pessoas que reclamam das pipocas no cinema, que há salas com pipocas e há salas sem pipocas. Há coisas que simplesmente não valem a pena.

Dirijo-me a vós, directamente, com um pedido: DOCUMENTEM-SE devidamente antes de imprimirem artigos escritos por pessoas que vivem com 30 anos de atraso em relação ao resto do mundo.

Quando li o vosso artigo simplesmente não conseguia acreditar que estava a ler algo publicado em 2009. O discurso, o grafismo, a tónica sensacionalista e o entusiasmo frenético por SANGUE deixaram de estar na moda há várias dezenas de anos, mas dir-se-ia que o vosso editor desconhece esse facto.

As publicações modernas exaltam a importância da conservação dos recursos marinhos e dão ênfase ao papel desempenhado por todos os elementos de um ecossistema. É um facto que os tubarões e raias fazem parte do ambiente marinho, e não só, e ocupam predominantemente o papel de predador de topo. Também é um facto que, ocasionalmente, seres humanos são mordidos/magoados por tubarões. Mas também o são por cães, leões, tigres, ursos, crocodilos, serpentes, hipopótamos, medusas e variadíssimas outras espécies. Estes ‘encontros imediatos’ são ocasiões, sem dúvida, infelizes. E, contudo, menos frequentes, a nível MUNDIAL, do que o número de acidentes rodoviários no IC19 em cada semana.

Compreendam que o discurso ‘os tubarões gostam de carne humana’ é, para além de FALSO, motivo de alegre chacota por parte de todas as pessoas que têm um entendimento rudimentar sobre o meio marinho. Asseguro-vos que este tipo de artigo serve de base a conversas, em tom trocista e cínico, sobre a incapacidade frequente da imprensa em se documentar devidamente sobre os temas publicados.

Repito o meu conselho: DOCUMENTEM-SE devidamente sobre os temas que publicam, de forma a evitarem o embaraço de serem alvo de risos e comentários trocistas. Nessa linha, deverão buscar fontes alternativas, e FIDEDIGNAS, de informação. Este artigo, baseado quase exclusivamente nas palavras tendenciosas do Sr. Vic Hislop, um fervoroso defensor da política ‘o único tubarão bom é um tubarão morto’, peca de uma forma assustadora pela completa e total ausência de uma perspectiva alternativa à visão sanguinária deste cavalheiro.

Honestamente, esperava mais de uma publicação como a vossa. :-(

Cumprimentos sinceros,

João Correia