Queridos amigos que, tal como eu, gostariam de ver o espectáculo conhecido
como “tourada” abolido do menu das ofertas de entretenimento na nossa Pátria,
tenho estado a pensar com alguma ponderação sobre este tema e cheguei a uma
conclusão deveras preocupante: estamos todos errados.
As touradas não devem ser proibidas; muitíssimo pelo contrário, devem ser
incentivadas e, mais importante ainda, o seu conceito deve ser expandido, ou
mesmo franchisado, a outras espécies
animais. Trata-se de uma oportunidade de negócio colossal e sinto-me
profundamente embaraçado por só agora a ter detectado. Mas vale mais tarde do
que nunca e passo a explicitar melhor o meu raciocínio que, perdoem-me a
imodéstia, considero brilhante porque nos vai colocar num patamar de riqueza
com o qual nunca ousámos sonhar.
Ora vejamos, qualquer ser com um entendimento rudimentar sobre o mundo dos
negócios sabe que a chave de sucesso de uma actividade comercial é reduzir
custos e aumentar os lucros. Nesta linha a tourada afigura-se-me como um
verdadeiro modelo de perfeição empresarial, já que os custos são suportados por
financiamentos camarários, ou seja, pelos impostos de todos os cidadãos e não
pelos indivíduos que auferem os lucros. Quem cozinhou este business plan merece, sem dúvida, um Nobel da Economia.
Adicionalmente, veja-se que é um mercado com pouquíssima concorrência,
contando-se os players - verdadeiramente
dignos desse nome - com os dedos de duas mãos (de um praticante
não-muito-habilidoso de tiro com arco).
Em suma: os custos são suportados por todos os cidadãos contribuintes do
país (incluindo-se aqueles que, com a sua triste falta de visão empresarial,
são ainda teimosamente contra as touradas) e os lucros vão para os bolsos da
meia-dúzia de ganadeiros, toureiros e emboladores que desenvolvem esta
actividade comercial com uma astúcia que me tinha escapado por completo até à
data. Louvados sejam os gloriosos forcados que contribuem de forma tão
dinâmica, quanto dramática, para a festa brava sem auferirem um único tostão e,
portanto, não contribuindo de todo para a diminuição dos lucros gerados pela
proveitosa venda de bilhetes. Tiro, sinceramente, o chapéu a todos os
empresários tauromáquicos pela sua visão de marketing tremendamente eficiente e
original. Temos muito a aprender com estes rapazes se queremos tirar a nossa
Pátria Lusitana da crise.
Pois parece-me, então, que um conceito tão incrivelmente brilhante não deve
estar castrado a uma única espécie, sendo que Deus Nosso Senhor, na Sua
infinita bondade e sabedoria, criou largos milhares de espécies animais através
de um design tão inteligente quanto audaz, e colocou-as todas à nossa
disposição, Sua espécie preferida, para que possamos auferir rendimentos
simpáticos através da sua exploração para entretenimento e gáudio de crianças,
jovens e adultos. Porque todos concordamos que nada é mais divertido do que ver
um tigre a andar de bicicleta com um capacete nazi na cabeça, ou um ursinho de tou-tou
na cintura a dançar vertiginosamente ao som de uma melodia Kusturikiana ou, claro, o
expoente máximo do entretenimento animalesco, um possante touro bravo a levar
com uns valentes ferros no dorso - cravados pelas mãos hábeis de um cavalheiro de
roupa justinha, meias cor-de-rosa e sabrinas, sendo este o ensemble
garantidamente mais sexy de todo o mundo do espectáculo. Atrevo-me a sugerir
que este guarda-roupa só é ultrapassado, em espectacularidade, pelos orçamentos
bilionários da cadeia Cirque du Soleil que, coitados, são uns patetas sem visão empresarial e desenvolvem os seus espectáculos, pelo mundo inteiro, sem recorrerem a um
único animal, o que seguramente tem um impacto tremendamente negativo na sua
facturação.
À luz destas considerações, e que tal se o conceito tourada for expandido a
essa outra família de grandes mamíferos… Os ursos?? Deixem-me explanar o brilhantismo do meu
raciocínio antes de assumirem que perdi o juízo. Vejamos, as ursadas são uma excelente forma de proteger os ursos da extinção a que as
perdas de habitat natural os votaram inexoravelmente. Este sentimento é quase
tão saudável quanto o altruísmo quasi-divino
com que os empresários tauromáquicos mantêm o espectáculo da tourada, fazendo-o meramente
para preservar a raça do touro bravo, num gesto de bondade e preocupação pela
preservação da biodiversidade que rivaliza com as ONGAs mais fervorosas.
Interrogo-me, até, se este será o momento adequado para recordar que o público
consome carne bovina há séculos imemoriais e, sendo a carne de touro bravo
particularmente apreciada pelo estatuto free
range destes nobres animais, rápida e merecidamente escalou para um patamar
de distinção gourmet que
efectivamente impede uma espécie de
se extinguir, porque o mercado que a consome é simplesmente valioso demais.
Mas, à cautela, será melhor que me afaste deste tópico e que deixemos os
empresários tauromáquicos continuarem a acreditar que, sem eles, o touro bravo
está votado à extinção. Não queremos que pensamentos de natureza subversiva,
como a exploração alternativa do touro bravo para consumo humano, os impeçam de
darem continuidade à sua nobre missão de salvamento do touro.
Voltemos aos ursos. O casting destas simpáticas criaturas peludas nas em-breve-famosas ursadas não se destina unicamente a salvá-los das terríveis garras
nefastas das alterações climáticas e outras perdas de habitat de natureza
antropogénica…. Vejam-se bem as oportunidades de negócio colaterais que surgem,
como o embolamento não só de duas
míseras pontas mas sim de uma bela dezena
de garras e não menos caninos numa bocarra mortífera. Sim, porque seria tonto
imaginar os urseiros a enfrentarem um
urso pardo de uma tonelada sem que este tivesse os dentinhos e unhacas
devidamente embolados com umas resistentes carapuças de cabedal. Mesmo assim,
ao mencionar a cavidade bucal ursina ocorre-me um probleminha… É que o urso não é obrigatoriamente quadrúpede, como o
touro bravo, e tem o condão de se bipedizar quando as circunstâncias assim o
ditam. Isto torna-o infinitamente mais perigoso, pelo que recomendo vivamente
que o toureio, ou melhor, urseio seja
conduzido não em cavalos mas sim em… elefantes. Essa luta parece-me francamente
mais equilibrada e gera uma nova oportunidade de negócio até aqui
negligenciada: a criação de elefantes na fecunda e aprazível lezíria ribatejana e na belíssima dehesa
andaluz.
Aí, sim, estaremos perante uma luta tão nobre e equilibrada quanto a actual
tourada, embora confesse a minha ignorância quanto a este conceito de equilíbrio, que sempre associei a
bipolarizações do género 50/50 ou, vá, 60/40. Parece-me, contudo, que o rácio
de esburacanço na tourada é
mais de 999 para 1 contra o touro mas, repito, seguramente que estou a incorrer
numa grande injustiça e que o número de ferimentos contundentes nos
profissionais tauromáquicos é bem mais abundante do que aquele de que nos
conseguimos aperceber.
Consideremos ainda outra vantagem adicional, particularmente quando a ursada envolve as magníficas espécies Ursus maritimus ou Ailuropoda melanoleuca,
também conhecidas como Urso polar ou Urso panda, respectivamente. Imagine-se o
factor drama quando estes ursinhos
rugem e saltitam alegremente pela arena com o pêlo branco manchado de sangue
tão vermelho quanto viscoso e com aquele aroma ferroso que excita e apura os
sentidos. Qualquer realizador de aspirações hollywoodescas confirmará que esse
impacto visual não tem preço e distancia-se com brilhantismo do pálido
contraste entre o vermelho sanguíneo e o entediante pêlo preto do touro.
Estendamos novamente agradecimentos e aplausos aos bravos forcados, que
encostam as faces pálidas ao dorso ensanguentado do touro quando o pegam de
caras e nos permitem, público sedento de cor e bravura, validar que o animal
está realmente coberto de sangue. Se não fosse esse gesto bondoso de,
chamemos-lhe, validação cromática, o
público (que pagou um bilhete, não esqueçamos) sairia da arena sem ter tido a
oportunidade de ver o vermelho que jorra das perfurações infligidas pelos
ferros cravados no dorso do touro, o que é completamente inaceitável. Na ursada polar ou ursada pandística esse perfuramento é por demais
evidente e os forcados podem concentrar-se exclusivamente na árdua tarefa de
travar o movimento da besta, cuja ferocidade permanece obviamente intocada após o cravanço de uma dúzia de ferros no lombo.
Resta-me terminar com um apelo de natureza marketinguística, já que o timing
para a ideia que vou partilhar convosco é simplesmente perfeito e vão já perceber porquê: e que tal se
atirarmos com ursinhos e tourinhos para a arena e os deixarmos degladiarem-se
freneticamente até que apenas um esteja de pé e enviamos, então, um toureiro,
ou urseiro, dependendo de quem vencer a luta, para arrumar o espectáculo? Esta
luta traria nova dimensão à eterna batalha entre os mercados Bullish e Bearish
(em alta e em baixa, respectivamente) que se desenvolve continuamente nas bolsas de valores
de todo o mundo. A emblemática estátua da luta do touro contra o urso, em Wall
Street, vende milhares de figurinhas e ímans de frigorífico todos os santos
dias. Porque diabo não podemos nós, nação que trouxe novos mundos ao mundo, facturar uns trocos vendendo action figures dos nossos touros a enfiarem
uns cornitos nas pançolas dos ursinhos? A oportunidade está aí; só falta aproveitá-la.
Por todos estes motivos me parece que a ursada
é merecedora de mais atenção por parte do sector que explora os lindos animais
que Deus nos deu para que facturemos umas massas extra. Desde que se mantenha o plano-de-negócio em prática nas touradas até à data, tudo correrá bem e há imensos
lucros à espera de serem gerados. Eu cá não pretendo deixar esta oportunidade escapar
e vou já directo à primeira Calzedonia que me aparecer para comprar umas
leggings rosa-choque porque quero estar no meu melhor quando espetar o primeiro ferro no dorso de um feroz urso sob aplausos intensos e cornetadas
inspiradoras! Mal consigo esperar! Quem me dera ter tido esta ideia mais cedo!
Y Venga el Orso!
Olé!